By Infood
No último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade de Ibicaraí – interior da
Bahia – registrou uma população de 24.272 habitantes. E foi nesse
modesto município que Arnor Porto passou sua infância e trabalhou na
área rural. Ao realizar a tarefa de colher o cacau que era produzido,
Arnor jamais imaginava que, anos depois, ele estaria trabalhando com o
mesmo ingrediente dentro de uma cozinha – sendo o considerado um dos
melhores (senão o melhor) chefs pâtissiers do Brasil.
Antes de sua mãe falecer, Arnor fez uma promessa: nunca mais iria
trabalhar “na roça”. De fato, o ibicaraiense passou por diversas
cozinhas: começou no Copacabana Palace – começando como faxineiro de
cozinha – ficou dez anos no hotel Emiliano e agora está com a
Sweethings, sua nova empreitada, que, através de um serviço de
outsorcing, fornece sobremesas para restaurantes.
Embora os tempos de trabalho na área rural tenham ficado para trás,
muito do aprendizado do chef veio de Ibicaraí, inclusive o respeito para
com os alimentos: “cabe a mim cuidar daquele ingrediente e oferecer a mesma qualidade do cara que o plantou”, afirma Porto.
A INFOOD foi até a cozinha da Sweethings conversar com Arnor Porto.
Além de contar sobre o seu novo desafio, o chef conta em entrevista
exclusiva para o nosso site sobre o início da sua relação com a
gastronomia, a importância da sobremesa em uma refeição e outras
valiosas lições.
Trajetória
“Eu tenho quase 20 anos de profissão. Comecei trabalhando como
‘steward’, a pessoa que faz a limpeza da cozinha. Por seis meses, de
madrugada no Copacabana Palace, ficava limpando a cozinha após os
cozinheiros irem embora. Depois, surgiu uma oportunidade na cozinha, no
Cipriani (restaurante italiano do hotel carioca). Eu pedi a oportunidade
ao chef e ele me cedeu essa vaga na parte de confeitaria. Fiquei no
Copacabana por cinco anos – quatro anos e meio na confeitaria e seis
meses na limpeza. Depois disso, fui para Porto Seguro, na Bahia, onde
comecei a trabalhar com confeitaria em um resort. Quatro anos mais
tarde, eu vim para São Paulo e entrei no Hotel Emiliano – já como chef
de confeitaria e padaria. Fiquei quase 10 anos lá. Depois desse tempo
todo, estava me sentindo muito acomodado. Era um dos melhores hotéis,
mas precisava de um desafio. Esse é o desafio: fornecer sobremesas para
restaurantes. Meu foco agora é fazer algo de qualidade para o mercado de
restaurantes, principalmente àqueles que não têm estrutura e nem querem
investir em confeitaria. A maior parte não pensa na parte da
confeitaria. Na hora de fazer a sobremesa, eles querem fazer algo que
impressione, mas não têm estrutura. O foco é eliminar esse problema dos
restaurantes e oferecer um produto de qualidade”.
Vida em Ibicaraí
“Eu trabalhava na área rural, no interior da Bahia (cidade de
Ibicaraí), e tinha uma família muito humilde. Antes da minha mãe
falecer, eu fiz uma promessa: nunca mais iria trabalhar na roça. Eu fui
para o Rio de Janeiro e comecei a trabalhar no Copacabana Palace. Nunca
tinha entrado em um hotel antes. Meu primeiro contato na cozinha foi com
um italiano, e ele falou: ‘Baiano, vai lá: pega para mim um crouton
(torradinha da salada)’. Na hora em que ele falou, saí correndo, peguei
uma berinjela e um kiwi, achando que era o tal do crouton – eu nunca
tinha visto essas coisas no interior da Bahia. Venho de um lugar muito
pequeno, mas é lá onde nasci, onde vou todo ano, onde tenho os meus
parentes”.
Steward em Copacabana
“Tinha 18 anos e um filho quando fui para o Rio de Janeiro. Fui
para lá porque era onde minha sogra morava. Quando cheguei no Copacabana
Palace, eu ouvi: ‘a única vaga que tenho é de steward’. E eu pensei:
‘pô, steward, esse nome estranho, num castelo desses: vou ganhar
dinheiro’. Me deram uma vassoura e um rodo e fiquei lá. Eu realmente
estava precisando daquele trabalho. Tive um único professor, que era o
chef executivo do Copacabana, o mesmo cara que me indicou ao Emiliano”.
Referências
“Hoje há mais alguns chefs que não eram daquela época. Quando
comecei, minhas referências eram o Francesco Carli, e o Laurent
Suaudeau, que dispensa comentários. É um mestre. Esses dois eram os
melhores. Hoje em dia, você tem o Alex Atala, a Helena Rizzo, a Roberta
Sudbrack, várias pessoas que merecem um respeito muito grande”.
Curso
“Eu fui fazer curso depois de muito tempo – uns 12 anos de
profissão – na escola de chocolate Valrhona (Lyon), em 2008. Foram 5
dias, tive aula com o sub chef do hotel Plaza Athenee de Paris. Comecei a
trabalhar com o chocolate, que era considerado um dos melhores do
mundo, e ganhei um curso nessa escola. E, antes disso, em 2007,
participei de um concurso no Brasil, o World Chocolate Masters, onde
ganhei como melhor sabor, melhor apresentação, melhor bombom. Mas, curso
mesmo, foi esse na França”.
Gastronomia
“Sou fã da gastronomia em geral. Sou fanático por fazer a comida –
não por comer. Gosto do preparo, da montagem, de colocar na mesa, de
ver a satisfação do cliente. Em casa, gosto de brincar com o salgado,
mas não faço nada de doce. Quando chamo os amigos, deixo o pessoal
brincar na hora da sobremesa (risos)”.
Chef Pâtissier
“O chef pâtissier tem que ser um cara que observa todos os
detalhes. Ele é um especialista, tem que ter muita paciência para
trabalhar em confeitaria. É muito difícil e diferente do que trabalhar
na cozinha. Confeitaria é uma ciência exata: você tem que usar balança,
receita.
Para o cara ser um ótimo chef, ele tem que ser um bom
confeiteiro. Tem alguns chefs de cozinha que não sabem fazer doce. Eles
não se dedicam a fazer. Para o confeiteiro se tornar cozinheiro é dois
palitos. O oposto, porém, é muito complicado”.
O papel da sobremesa
“A sobremesa é o ‘gran finale’. Quando trabalhei no Emiliano, eu
trabalhei com o Zé (José) Baratino. Nós trabalhamos juntos por quase 8
anos. Eu me preocupava em finalizar o jantar. Ele tinha a comida dele,
em um nível altíssimo. Eu tinha que trabalhar para atingir esse nível.
Preocupava-me em não passar o nível do chef, mas também em não ficar
abaixo. Para mim, a sobremesa é o ‘gran finale’ de um jantar ou de um
almoço”.
Viagens
“Elas abriram muito a minha mente. Eu fui para a Itália e fiz
algumas receitas que eu trouxe dos restaurantes duas, três estrelas
Michelin de lá. Eu olhava o prato e criava a própria sobremesa na minha
mente, mas sem aqueles ingredientes e aquela montagem. É uma riqueza
muito grande que você traz na bagagem. Você vai lá fora e tem esse
desafio”.
Trabalho no Emiliano
“Foi um trabalho muito difícil. Principalmente aqui no Brasil, o
chef de cozinha manda em tudo. Confeitaria, cozinha, padaria. Lá no
Emiliano, consegui o meu espaço. Havia um chef para a cozinha e um chef
para a confeitaria. O chef da cozinha não se intrometia no trabalho da
confeitaria. Aos poucos, o hotel foi sentindo isso. Quando o Baratino
saiu, entrou um italiano. Virei para o dono e falei: ‘você quer que eu
mude para uma sobremesa italiana?’. Ele respondeu: ‘não, a confeitaria é
sua. Você faz dela o que você quiser’. O chef jamais chegava e falava
que ele queria determinada coisa. Para mim, isso foi prazeroso demais.
Foi um trabalho muito diferenciado. E, quando saí, avisei sobre a minha
decisão seis meses antes. Eu queria deixar uma equipe pronta para
assumir após a minha saída. Foi um trabalho longo, não queria que aquilo
perdesse a qualidade”.
Novo desafio
“Este está sendo um período bacana, desafiador e preocupante. Eu
não sinto falta do Emiliano. Eu sinto saudade de finalizar a sobremesa,
empratar e ver a satisfação do cliente na hora”.
Sweethings
“A ideia da Sweethings foi da noite para o dia. Eu estava me
sentindo muito acomodado e não tinha nada o que fazer. Não tinha
proposta alguma. Eu entrei numa segunda-feira, às 11h da manhã, e pedi
demissão do Emiliano, sem ter nada em mente. Tinha salário, uma
liberdade muito grande, e eu joguei tudo isso para o alto. Dois meses
depois, a minha sócia – Ana Gabriela Borges – foi lá, sem saber que eu
estava saindo, e me fez uma proposta de abrir um negócio com ela para
fazer sobremesas. Eu pensei: ‘essa mulher bonita vai querer fazer um
brigadeiro, algo desse tipo’. Falei: ‘vou lá, fazer um brigadeiro para
ela’. Quando a gente começou a procurar equipamentos, casas, e percebi
que ela havia comprado um forno bacana, vi que não era só um brigadeiro
(risos). Vi que precisava me preocupar 100% com o projeto. É o que estou
fazendo agora. Saí do Emiliano no dia 26 de setembro. Dia 28 entrei
aqui e não parei mais. Foram testes e mais testes. Fazendo,
experimentando, testando de novo”.
Um negócio do Arnor?
“Claro que penso em ter um negócio meu. Tem muita gente,
inclusive, que pede isso. Que pergunta sobre quando eu vou abrir a minha
loja. No Emiliano, as pessoas jantavam em outros restaurantes e algumas
delas iam lá somente para comer a sobremesa”.
Desafios de empreendedor
“A minha dificuldade nesse negócio que a gente está lançando é
que ele tem uma logística muito difícil. Você vai fazer a sobremesa
chegar num certo nível depois de 30, 40, 50 dias congelada. Ela chega no
restaurante do chef com a qualidade bacana, após pegar um trânsito de
São Paulo, uma estrada”.
Planos para o futuro
“Meu plano é expandir o negócio. Fazer da Sweethings uma marca
com força no mercado, abrir franquias. É continuar oferecendo qualidade,
em grande quantidade e não deixar de ser artesanal. Eu começo todos os
meus doces do zero”.
Qual é o segredo?
“Na verdade, eu não sei (risos). Eu me preocupo muito com a
qualidade que eu posso ofecer, essa é a minha maior preocupação, além da
beleza. Mas eu acho que todos esses prêmios que chegaram são resultado
de um trabalho de muita consistência, de dez anos de um trabalho sério.
Eu tenho um respeito muito grande em dar algo para uma pessoa comer, por
ter vindo de uma família humilde e ter vindo da área rural. Cansei de
acordar às 4h da manhã e estar lá, colhendo cacau, plantando, cortando
mato. Eu sei a dificuldade que esses profissionais passam. Enquanto
alguns estão dormindo, tem gente acordando às 5 horas da manhã para
plantar tomate. E essa pessoa tem o carinho e respeito pelo ingrediente.
Eu plantei e colhi cacau sem saber que trabalharia com ele no futuro.
Quando ele chega, cabe a mim ter a responsabilidade de cuidar desse
produto e entregá-lo em perfeito estado. Cabe a mim cuidar daquilo e
oferecer a mesma qualidade daquele cara que plantou. Eu trabalho muito
em cima disso: respeito com o alimento, principalmente porque ele vai
para a mesa de um cliente que está pagando por aquilo e tem como
obrigação receber um produto de qualidade. Cabe a mim fazer isso“.
Serviço:
Sweethings
Email: contato@sweethings.net.br
Rua Tinhorão, 122- 01241-030
Higienópolis/ São Paulo- SP
Tel: 55 11 3441-2301
Por Vinícius Andrade
Fotos: Vitor Rocha
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