Josie Jeronimo

BENEFICIÁRIO
O deputado Pedro Henry teria recebido recursos de
Marcos Valério a partir de orientações de Geiza Dias
Fotos: Rejane Carneiro, Lúcio Távora – Ag. A Tarde/Futura Press; Alan Marques/Folhapress



Uma série de e-mails,
correspondências e balancetes apreendidos pela Polícia Federal na SMP&B
mostram que Geiza Dias dos Santos, ex-gerente financeira da agência do
publicitário Marcos Valério e ré do processo do mensalão, não é tão
“mequetrefe” como tentou convencer seu advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva
durante o julgamento no STF. Segundo o dicionário, mequetrefe é alguém que não
merece maior consideração, um intruso, um joão-ninguém. ISTOÉ, no entanto, teve
acesso a documentos que mostram Geiza como uma pessoa poderosa. O material
indica que, a partir dos registros do trabalho da administradora de empresas na
firma de Valério, foi produzida boa parte das provas do mensalão.
Nas correspondências,
Geiza detalha a representantes do Banco Rural como o pagamento será feito e
fornece dados dos beneficiários dos saques. O repasse de dinheiro a
parlamentares é chamado de “verba”. Em um e-mail enviado no dia 11 de março de
2003, a ex-gerente financeira avisa que o policial civil David Rodrigues Alves
fará um saque de R$ 300 mil e pede que o banco confirme o pagamento. Apurações
da CPMI dos Correios mostraram que Alves atuava como “mula” para o esquema e
recebeu R$ 4,9 milhões do banco. Ele teria atuado para levar dinheiro ao
publicitário Duda Mendonça e também forneceu, em seu depoimento à polícia,
informações sobre a participação do deputado Pedro Henry (PP-MT) no esquema.
Como se vê, de
insignificante ou joão-ninguém Geiza não tinha nada. De 2001 até 2005, a rotina
de trabalho da ex-gerente financeira da agência SMP&B, do publicitário
Marcos Valério, era combinar pagamentos milionários com instituições bancárias
e participar de reuniões com representantes de autoridades. Foi a partir de um
e-mail de Geiza encaminhado a um funcionário do Banco Rural que a Procuradoria
da República concluiu que parte da verba do mensalão circulou em carros-forte.
Também foi com base nas correspondências de Geiza que a Polícia Federal
produziu relatório financeiro cruzando as informações das autorizações de
pagamento com as contas da agência de publicidade e do banco. Parte do modus
operandi do esquema de Valério narrado na denúncia do Ministério Público
Federal também veio das correspondências da ex-gerente. Despachando do sétimo
andar do prédio que abrigava a SMP&B em Belo Horizonte, era Geiza quem
lidava diretamente com a rotina do esquema. Todos os dias, Geiza emitia uma
média de 100 cheques, a maioria com valores que ultrapassavam cinco dígitos, a
exemplo do registro de ordem de pagamento de R$ 300 mil “batido” pela
ex-gerente em novembro de 2003. Em um ano, a mequetrefe, na
definição de seu advogado, emitiu R$ 4,8 milhões em cheques.

BENEFICIÁRIO
O deputado Pedro Henry teria recebido recursos de
Marcos Valério a partir de orientações de Geiza Dias
Ela ainda não havia
alcançado o topo da carreira executiva, mas, em Minas Gerais, a ex-gerente
financeira do publicitário Marcos Valério estava em ascensão na carreira quando
foi arrastada para o escândalo do mensalão. Geiza gozava da confiança do publicitário
e cumpria função estratégica nos negócios da agência SMP&B. Cabia a ela
fazer funcionar sem erros o repasse de verbas coordenado por Marcos Valério.
Por isso, trata-se, ao contrário do que sua defesa pretendeu supor, de uma
espécie de arquivo vivo do mensalão. Os e-mails de Geiza foram reunidos no
Apenso 5 da Ação Penal 470. Entre as mais de 50 mil páginas que compõem o
processo do mensalão, o volume com as correspondências de Geiza é considerado o
cerne das provas do esquema. Os relatos da ex-gerente financeira sobre as datas
de saques, nomes de beneficiários e indicação da conivência do Banco Rural com
o modelo informal de pagamentos foram usados para embasar o voto dos ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF).
O salário de Geiza na
SMP&B, no entanto, não mantinha relação com as cifras que movimentava.
Quando foi demitida por “dissolução da firma”, após as investigações da CPMI
dos Correios, ganhava R$ 1,7 mil, o equivalente a cinco salários mínimos em
2005. O escândalo, com a exposição pública de seu nome e as frequentes
intimações da polícia, atingiu em cheio a vida pessoal e profissional de Geiza.
Amigos narram que a ex-gerente financeira de Marcos Valério não recebeu apoio
familiar e que sua permanência em Minas Gerais se tornou um inferno. Além das
piadinhas e da dificuldade para conseguir um novo emprego, Geiza sofreu duro
julgamento de sua mãe, Maria Izabel Dias dos Santos. Sem aceitar o caminho
tomado pela filha, ela preferiu se afastar. ISTOÉ entrou em contato com a mãe
de Geiza, mas ela se recusou a falar sobre o julgamento da filha. Maria Izabel
vive no município de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte.

Após deixar sua casa
em Belo Horizonte, Geiza tentou a vida em pelo menos dois Estados. Agora vive
em Aparecida de Goiânia (GO), a 220 quilômetros de Brasília. Lá trabalha na
agência Jordão Publicidade como responsável pela administração financeira da
empresa. “Esse caso acabou com a minha vida, só converso sobre esse assunto com
meu advogado”, disse Geiza à ISTOÉ. Antes de ir para Goiás, ela tentou a sorte
no Rio de Janeiro, morando no bairro de Irajá, na sona norte. O advogado de
Geiza, Paulo Sérgio Abreu e Silva, se orgulha de ter criado uma das expressões
mais populares do julgamento do mensalão. Abreu e Silva acredita que a estratégia
de desqualificar sua cliente pode livrar a ex-gerente financeira de uma
condenação. Os ministros devem analisar as acusações contra Geiza segunda ou
terça-feira, de acordo com previsão do calendário do julgamento do mensalão. “É
muito melhor o pessoal de Aparecida de Goiânia chamá-la de mequetrefe do que de
condenada, como diretores de bancos foram”, diz. Mas o advogado de Geiza se
contradiz e admite que, no papel de “testemunha” do esquema, sua cliente não
tem nada de mequetrefe. “Ela é a grande testemunha, mas ela não foi chamada
pelo Ministério Público. Ela poderia contar o nome de todo mundo, muitos nomes
que não estão aí. Ela como testemunha teria valor.” É, como se vê, Geiza é uma
mequetrefe bem poderosa.

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